segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Morre um gênio da composição do Brasil (Hélio Fernandes)

DORIVAL CAYMMI, O "JOÃO VALENTÃO" DELE MESMO

Morre mas não desaparece, a grande figura de Dorival Caymmi. Como compositor foi o pioneiro e quem começou a chegada de baianos ao Rio de Janeiro. Todos vieram no caminho aberto por ele.

"Caetano, Tom Zé, Gil e tantos outros, não têm de idade o que Caymmi tinha de conquista do Rio. Boemíssimo na mocidade, ganhou e ganhava sempre a admiração dos que o conheciam. E foram multidões.

Mas sua maior conquista foi Estela Maris, casada com ele há mais de 60 anos. Se conheceram, se apaixonaram, casaram. E Estela, que era a maior cantora do seu tempo, (muito antes de surgir a bossa nova) abandonou a carreira vitoriosíssima, para se dedicar inteiramente ao jovem marido.

Estela se dedicou não só a Caymmi, mas também a formar uma família, que não por coincidência, se transformou numa continuação do que o pai iniciara. Nana, Dori e Danilo, são nomes marcantes e indispensáveis no relacionamento e na citação de compositores e cantores brasileiros. Seguiram o pai, mas todos abriram seu próprio caminho. Tinham Caymmi na certidão de nascimento, mas a trajetória, o coração, a consagração, veio deles mesmos.

Caymmi era influência, será sempre referência, mas acima de tudo era um apaixonado pela música, pela vida, e sem dúvida alguma dominado pela perfeição. Caymmi poderia ter deixado centenas e centenas de composições, mas levava muito tempo para completá-las. Não por descaso ou desinterese, exatamente o contrário.

Veio para o Rio como um homem e um compositor de praia, mas era apenas o início de uma carreira, a obrigação de percorrer todos os caminhos com convicção, com devoção e com perfeição. Por isso algumas composições só saíram depois de anos de trabalho, de esforço, de aparente facilidade mas era uma facilidade que vinha do coração e da mente.

Depois do cantor de praia, do compositor de samba canção, do apoio à bossa nova e a tudo o que surgia como inovação ou quase revolução, Caymmi, (que só tem sucessos, jamais soube o que era fracasso), chegou ao que considero o máximo: "João Valentão".

"João Valentão" não é apenas uma canção ou uma composição. É um romance, uma lição de vida, um roteiro inteirinho sobre o filme que na certa farão sobre Caymmi. E não um musical, mas tendo como base suas músicas. "João Valentão" levou 5 anos para sair daquele forno de genialidade que nunca se apagava. Mas Caymmi fazia questão de deixar algumas composições "torrando dos dois lados", só servindo a multidões, quando já estivesse no "ponto", que agradasse a ele mesmo.

Tive uma fase de grande amizade e companhia com Caymmi, principalmente naqueles inesquecíveis jantares de domingo na casa do Bianco, nós todos moços, mocíssimos mesmo. Depois, a idade e o trabalho foi dominando a todos, não houve separação mas sim o tempo implacável chegando e passando. Menos a admiração total pelo compositor e pelo homem Caymmi.

Sempre tentei enquadrar as músicas de Caymmi, convencido que representavam um momento, uma definição, uma personalidade. As canções de praia eram o Caymmi tímido, sério mas brincalhão, longe da exibição. Para mim, em toda a produção de Caymmi, visível ou invisível, sempre Estela, a musa de uma vida inteira. "João Valentão", é o próprio Caymmi, não revelado mas também visível. E ele mesmo gostaria de confirmar que "é doce morrer no mar". O que quase aconteceu.

PS - Assim que soube da morte de Caymmi, sentei, lembrei e escrevi. Caymmi merece um monumento a sua memória, mas a minha não consegue passar daqui. Desculpe, Caymmi.

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