quinta-feira, 22 de setembro de 2016

A Despedida', de Marcelo Galvão, faz o nonagenário Nelson Xavier


Luiz Carlos Merten,
O Estado de S.Paulo
18 Junho 2016 | 16h00



Existem grandes filmes sobre a velhice e nem é preciso pensar muito para citar logo dois – Umberto D, de Vittorio de Sica, de 1951, e Morangos Silvestres, de Ingmar Bergman, de 1959. O primeiro, no auge do neorrealismo, é considerado o ápice da parceria entre De Sica e o roteirista Cesare Zavattini. Conta a história da penúria de aposentado idoso que só tem a companhia de um cachorro e que chega próximo da mendicância. É a dignidade que o impede de estender a mão. Umberto D carrega no social,Morangos Silvestres tem outra pegada. O filme narra a odisseia interior do Professor Isak Borg, que atravessa os planos da realidade, da lembrança e da imaginação para resolver o problema de sua vida sem amor.
Podem existir outros filmes clássicos sobre o assunto, mas nenhum se compara a A Despedida, o longa de Marcelo Galvão em cartaz desde a semana passada nos cinemas brasileiros. Galvão venceu o Festival de Gramado de 2011 com Colegas, road movie que segue as aventuras de um trio de downianos. Colegascausou certa comoção, inclusive por ser interpretado por downianos de verdade, e isso deve ter pesado na decisão do júri que superpremiou, de forma um tanto excessiva, o longa na serra gaúcha. Galvão voltou a Gramado em 2014 com A Despedida e, desta vez, o júri atribuiu-lhe os Kikitos de direção, melhor ator e atriz. A Despedida é melhor (muito) que Estrada 47, sobre um pelotão da FEB na guerra da Itália, que venceu como melhor filme. E faz história nessa vertente da terceira idade ao abordar um tema que nem Bergman nem De Sica sequer sugerem em seus longas admiráveis – a sexualidade.
Sexo na terceira idade. Para entrar no espírito da obra, o espectador passa de cara por uma prova árdua, a cena inicial, que é lenta e exasperante. O personagem de Nelson Xavier, arruma-se para sair. Almirante tem mais de 90 anos. Cada gesto é uma dificuldade – vestir a calça, uma perna, a outra. Calçar as meias, os sapatos. Cada gesto parece que demora uma eternidade, até que, finalmente, Almirante vai para a vida. Esse idoso tem uma amante jovem, e bela – tão bela que é interpretada por Juliana Paes, e por mais desglamourizada que esteja, ela é sempre aquele espanto. Xavier e Juliana venceram os prêmios de interpretação em Gramado. A pergunta que não quer calar – como um vovozinho daqueles dá conta de um vulcão como ela? Almirante tem uma fala – enquanto tiver dedo e língua... E o resto fica por conta do leitor.
Foto: Divulgação
Nelson Xavier com Juliana Paes. Ambos venceram os prêmios de interpretação no Festival de Gramado de
Nelson Xavier com Juliana Paes. Ambos venceram os prêmios de interpretação no Festival de Gramado de 2014
Mesmo que não tenha colocado o tema do sexo em sua abordagem do velho Professor Borg, Bergman filmava para, segundo suas palavras, encarar dois temas fundamentais – os tormentos do sexo e o silêncio de Deus. Sexo e fome, ele dizia, são os instintos básicos que impulsionam o gênero humano. Almirante é a prova. Ele pode estar nas últimas, e tem consciência da proximidade da morte. Conhece suas limitações melhor que ninguém – é comovente a cena em que tira a fralda e suspira aliviado porque está limpa. Mas da mulher, e do sexo, não desiste. Morena, a personagem de Juliana, retribui, com seu carinho por esse homem que, com certeza, já conheceu melhores dias. Foi jovem e potente. O problema, reconhece Almirante, “não é ter ficado velho; é ter sido jovem”.
Talvez a história de A Despedida tenha algo de utopia, mas não é por causa da ligação de Almirante e Morena. De cara, ao sair de casa, o idoso descobre que precisa de dinheiro. E dá seu cartão e a senha para uma estranha, uma loura, que some da vista do espectador e fica um tempão fora da tela. Cria-se o mal-estar. Ela vai sumir com o dinheiro de Almirante? Diariamente, a crônica policial nas grandes cidades brasileiras dá conta de inúmeros aposentados que são roubados em portas de banco. Pode até existir uma questão social em A Despedida. O filho de Almirante preocupa-se com o pai, mas tende a considerá-lo incapacitado. Faz questão de acompanhá-lo no café, que é onde ele diz que vai, mas não é nada isso. A Despedida é um dos muitos filmes brasileiros em cartaz.
Somente nesta quinta, 16, entraram o blockbusterMais Forte Que o Mundo – A História de José Aldo(ainda não é bem a estreia, mas uma pré-estreia com horários cheios em dezenas de salas) e obras de um perfil mais autoral, como Big Jato e Trago Comigo. São todos filmes de qualidade, competindo entre si. O público tem maltratado a produção nacional. Tem filme entrando para fazer 1.500 espectadores, 1.300 no primeiro fim de semana (casos de O Outro Lado do Paraíso e Campo Grande). Mesmo que seja pelo esplendor de Juliana Paes, vá ver A Despedida. Você descobrirá Nelson Xavier, um trabalho maduro de direção, um belo filme.
  Postado por Carlos PAIM
Postado por Carlos paim

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